O Segundo Sol
- Então, Cat. Me diz! Como está seu primeiro mês de divórcio? Aproveitando seu novo status? Agora você passou de casada para a mais nova, linda e poderosa solteira da cidade de São Paulo! - Thais havia se levantado de sua cadeira muito rápido assustando Catharina com a investida.
Catharina, uma jovem advogada de vinte e nove anos recém divorciada, era negra com um metro e sessenta e sete de altura, lindos cabelos armados em um Black Power de onde saia um único dreads que caia por cima de seu ombro direito, ergueu a cabeça e ficou com seus olhos castanhos claros levemente alarmados. Olhos esses que contrsatavam com seus lábios carnudos num leve marrom.
- Que susto, Tata! - Disse vendo o largo sorriso de Thais que a olhava com seus grandes olhos verdes. - Somos poderosas (kkkk) - As duas riram gostosamente. - Ainda não fiz nada de diferente, acredita? Eu ando tão atarefada que ainda nem terminei de tirar todas as coisas das caixas de mudança. Minha casa está uma verdadeira bagunça!
- Você tem que sair. Se divertir um pouco. Hoje eu vou em um Happy Hour com algumas amigas. Vem com a gente! Nessas nossas bagunças rolam muitas risadas, conversas sobre assuntos diversos, esnobamos alguns gatinhos... Você vai gostar! – Disse Thais soltando e balançando uma cascata de cabelos castanhos que estavam presos, com uma caneta esferográfica, em um coque no alto de sua cabeça.
- Bem que eu queria e necessito muito de uma distração, porém hoje não me sinto muito bem. Estou entrando naqueles dias de chuva e esse mês minha cólica veio muito forte, tomei um analgésico e não adiantou de nada. Pra piorar, acho que a comida Tailandesa que comi ontem não estava boa, pois estou sentindo um enjoo chato, sabe?!
- Uma pena, Cat! A senhora tem que ir ao médico ver o que é isso e parar de sofrer pelo que acha que é, e cá entre nós... – parou de falar e olhou para os lados para ver se alguém escutava o que diziam – você já fez o teste? – Essa última parte Thais disse em um sussurro, colocando as mãos próximas dos lábios, pintados com um batom vermelho carmim que parecia ser ainda mais intenso próximo de sua pele branca, para que ninguém fizesse leitura labial.
- Que teste?!! – Perguntou Catharina franzindo a testa e juntando um amontoado de pastas que estavam espalhadas por sua mesa. Elas eram de clientes diferentes, mas do mesmo processo trabalhista em que trabalhava.
- O teste de gravidez, amiga! – Thais ainda sussurrava. – Talvez seja apenas um desconforto como você está dizendo, mas temos que nos precaver, Cat.
- Ai, Tata! Vira essa boca pra lá! Não posso estar gravida agora. – toc, toc, toc. Bateu com o punho três vezes em sua mesa que era de madeira, depois bateu as pastas juntas na mesa deixando-as alinhadas e as colocou ao lado do monitor de seu computador.
- É, mas muitas vezes não acontece só quando a gente pode ou programa, não é?
- Não coloca mais caraminholas na minha cabeça, mulher. Minha relação com Marcos está totalmente fora de órbita. Pra você ter ideia, eu deixo o Pedro com minha mãe para não precisar cruzar com ele! – Disse afofando os cabelos impaciente.
- Será que vem um segundo sol por ai que vai realinhar suas órbitas? – Thais disse em tom cômico, mas ao ver o assombro no rosto de Catharina continuou. – Talvez seja apenas um desconforto mesmo! Um outro cometa, como todos os meses! (rsrsr). – E se abaixou em sua mesa para atender o telefone, desaparecendo e deixando Catharina com seus pensamentos.
Já era fim de expediente e, por mais que tentasse, ela não conseguia parar de pensar na conversa que teve com Thais.
Estava na calçada na frente do prédio em que trabalhava. Do outro lado da rua havia uma farmácia onde, sem perceber, pedia um teste de gravidez para a atendente.
Não conseguia pensar em outra coisa em todo o trajeto para sua casa.
“Claro que se acaso eu estiver grávida vou amar o bebê com todas as minhas forças.”
Não seria mãe de primeira viagem, já tinha o Pedro e movia montanhas se preciso fosse para vê-lo feliz e com sua irmãzinha ou irmãozinho não seria diferente. Mesmo sem fazer o teste já imaginava o resultado. Conseguia sentir o amor irradiando de seu ventre que só quem é mãe sente.
Ao entrar em sua casa se deparou com as caixas de sua mudança ainda espalhadas pela sala. Sabia que tinha que arrumar um tempo para organizar tudo, mas não seria agora. Tinha algo mais importante para resolver.
Catharina foi até o banheiro afim de realizar o teste, seguiu as instruções na caixa do aparelho e esperou. Pôde entender Einstein quando ele disse que o tempo é relativo. Aqueles foram os três minutos mais longos de toda sua vida. Quando o aparelho enfim apitou com o resultado ela escorreu com as costas apoiadas na parede do banheiro até se sentar no chão gelado contemplando o leitor digital que expressava “3+”.
Estava grávida há mais de três semanas. Um misto de alegria e desespero tomou conta de Catharina.
E agora, como seriam as coisas daqui pra frente? Sua rotina seria alterada, ia começar as idas ao médico obstetra, à nutricionista! Planos, planos e mais planos. Não sabia como seria o futuro, mas sabia exatamente o que fazer no presente. Pegou o celular, ainda sentada no chão do banheiro e fez a ligação.
- Oi, Cat! Como vai? – Disse a voz grave masculina já conhecida através do celular.
- Estou bem e você? Precisamos conversar, Marcos! – Disse Catharina abraçando os joelhos.
- Estou ótimo! Pode falar, preta. Aconteceu alguma coisa com o Pedro?
- Ele está bem, graças a Deus! O assunto é um tanto quanto delicado para se dizer ao telefone. Está ocupado agora?
- Vou para o Allianz ver o jogo do Palmeiras.
- Certo, certo! Hum... Consegue me encontrar no Bourbon em uma hora? – Disse catariana olhando para seu relógio de pulso que marcava 17:30.
- É tão urgente assim, Cat? Não da para esperar até amanhã? – Perguntou Marcos com seu tom de voz sempre calmo.
- Não! Não dá! Eu tenho que me livrar de parte dessa ansiedade pois quero tentar dormir essa noite.
- Hahaha! Ah! Não foi uma piada? – Disse Marcos percebendo que Catharina não ria. – Tudo bem então! Nos encontramos em uma hora. – Desligou e jogou o aparelho celular em cima da cama.
“Que estranho! Nesse último mês Cat têm me evitado e de repente vem com esse papo de me ver com urgência?” – Pensou Marcos colocando a camisa do Palmeiras.
Era jogo de volta das oitavas de final da Copa Libertadores da América e o estádio estaria lotado. O Palmeiras poderia perder por até dois gols de diferença para se classificar, pois o jogo de ida havia ganho de três gols a zero do time rival.
Marcos, um homem branco de um metro e oitenta e nove de altura, cabelos castanhos bem aparados e uma barba no estilo lenhador, olhos azuis, trinta e cinco anos e com um porte físico que causava inveja em alguns atletas era engenheiro civil em uma grande empresa Brasileira, foi até o espelho para dar uma última ajeitada no cabelo já bem penteado e deu um sorriso largo para sua imagem que retribuiu o gesto. Pegou o perfume e deu uma borrifada em seu pescoço.
Com o celular em mãos ele enviou uma mensagem aos amigos dizendo que os encontraria nas arquibancadas e explicou o motivo. Teve respostas positivas deles. Entrou no aplicativo e pediu um Taxi que o levaria até o shopping. Podia ir andando, de onde morava até o ponto de encontro levaria menos de vinte minutos, mas não queria chegar suado e o taxi chegou em cinco minutos.
Nos sete minutos de viagem que levou o percurso do seu apartamento até o Shopping Bourbon seus pensamentos vagavam do jogo para Catharina.
“O que ela quer comigo? Será que está precisando de ajuda em algo? Hoje o Palmeiras vai dar show contra o Peñarol! Vai ser fácil sair com a classificação desse jogo! Que algo será esse para ela abrir mão de seu orgulho e marcar um encontro às pressas com ele? Vamos ganhar porco!”
Marcos pensou em dar uma volta no shopping, pois estava vinte minutos adiantado, mas, como o local estava muito movimentado, resolveu ir direto para o Outback e segurar uma mesa para que pudessem conversar sossegados.
Na entrada do restaurante havia um recepcionista de largo sorriso que o atendeu prontamente e começou a procurar uma mesa disponível no sistema. Enquanto isso Marcos corria os olhos pelo local cheio de pessoas conversando despreocupadas.
No canto esquerdo ele viu um Black Power que conhecia há anos. Era Catharina de cabeça baixa com o celular em mãos digitando algo. Ela levantou a cabeça e olhou para além da janela ao seu lado e o celular de Marcos tocou anunciando a chegada de uma mensagem.
Ele pegou o aparelho e viu que era de Catharina avisando estava esperando por ele no restaurante. Marcos dispensou os serviços do atendente, com sua simpatia, lhe explicando o motivo e caminhou na direção da mesa em que Catharina estava.
“Linda como sempre” – Pensou ele se aproximando da mesa. Catharina vestia um conjunto listrado em braço, preto e amarelo que iam de sua camisa até sua calça. Nos pés um tênis All Star azul, seus cabelos sempre impecáveis estavam presos na parte de cima da cabeça e seu único dread escorria por cima de seu ombro direito. Usava brincos de argola dourada e um piercing de pedra brilhante na parte esquerda do nariz.
“Linda” – Pensou mais uma vez enquanto dava o último passo até a mesa.
- Olá! – Disse ele para Catharina que se levantou rapidamente e o surpreendeu com um abraço inesperado.
Marcos não queria sair ali de dentro. Parecia que haviam se passado mil anos desde a última vez em que estivera envolto nesse abraço que, quando estava perdido em seus problemas, o fazia se reencontrar sem precisar de uma só palavra.
- Como vai, Marcos? – Perguntou Catharina se afastando e deixando só o cheiro do seu cheiro na roupa dele.
“Nunca mais eu tiro essa camisa” – Pensou Marcos.
- Estou ótimo, e você, Cat? – Perguntou ele dando um último e contido suspiro sem que ela percebesse.
- Um pouco ansiosa, mas bem! – Disse ela apontando para a cadeira em sua frente. – Sente-se, por favor.
- Já pediu alguma coisa? – Perguntou ele puxando a cadeira e se sentando.
- Ainda não. Acabei de chegar aqui. Sentei te mandei a mensagem e você apareceu.
- Que bom, pelo menos não ficou esperando! Quer beber alguma coisa? Um vinho? Um chopp? – Perguntou ele olhando o menu.
- Hum... Um suco de Laramora.
- E pra comer?
- Estou sem fome. Só o suco mesmo.
- Ok! Vou de chopp. – Disse Marcos chamando o garçom e fazendo o pedido. – E o que é tão importante que a senhora não podia esperar até amanhã para me dizer? – Perguntou atraindo a atenção de Catharina que não tirava os olhos da bolsa dela.
Ela abriu a bolsa com a respiração curta e um pouco tremula, tirou de dentro algo que ele não sabia o que era até ver.
- Estamos grávidos, Nego! – Disse Catharina colocando o aparelho em cima da mesa com a legenda digital “3+” e o encarando apreensiva com seus olhos cor de mel.
- Oi? – Há muitos anos que ele não ficava sem palavras. Nesse momento ele sequer tinha pensamentos, ficou totalmente imóvel. Teve a impressão de que seu coração cresceu e se tornou o único órgão interno em seu corpo pois até seu rosto pulsava.
- Estamos grávidos! – Repetiu ela. Marcos ouvia a voz de Catharina muito distante – Marcos! Marcos! Marcos! – Ele sentiu as mãos geladas de apreensão de Catharina sobre as ele e o fez acordar de seu repentino transe. – Você está bem? Quer uma água? Ficou muito surpreso?
- Surpreso? Bom... Surpreso? Não digo que não me surpreendi, afinal estamos separados há quase um mês e antes de eu ver sua barriga crescer você me diz que estamos grávidos... No primeiro segundo eu não pude acreditar!
- E o que vamos fazer? – Perguntou Catharina acanhada.
- Essa pergunta é difícil de responder. – Disse ele pegando o copo de chopp da mão do garçom e tomando todo os 500ml de uma vez. – Desculpa, estava com a boca seca! Traz outro desse pra mim? – Disse ele para o garçom que o olhava abismado e apenas assentiu com a cabeça.
- Percebi! – Disse ela abafando um riso.
- Palhaça. Bem, Cat! Não sei o que e nem como vamos fazer, mas você pode ter certeza de que seu telefone irá tocar toda hora: em seu serviço; no metrô; no shopping; em sua nova casa, afinal, você agora abriga uma nova trilha em que eu, mesmo com nós separados, estou incluso nela. Vou me converter real e totalmente aos nossos dois pequenos! – Disse ele que nesse momento era êxtase.
- Como se sente? – Perguntou Catharina agora bem mais leve. A reação de Marcos foi melhor do que ela esperava.
- Estou muito feliz! De inicio eu fiquei meio que em estado de choque...
Conversaram por horas e ele nem foi ao jogo.
Marcos disse a verdade. Ligava para Catharina ao menos dez vezes ao dia para saber como ela estava, se o bebê chutou, se precisava de algo e foi assim durante os seis anos que passaram.
Marcos agora morava em uma casa com um grande quintal e um belo jardim. Em um sábado, dia em que as crianças estavam com ele, Marcos ele estava tão cansado que acabou cochilando no sofá e quando acordou não viu nem Pedro (que já estava com onze anos) e nem a pequena Cássia (de cinco anos).
Procurou e chamou dentro de casa e nada dos filhos responderem. Abriu a porta da sala que dava para a rua e não os viu. O desespero começou a tomar conta dele! Correu até a cozinha e abriu a porta que dava para o jardim atrás da casa e viu seus dois filhos brincando, curtindo a vida, molhando as plantas e se refrescando do calor fazia. Marcos pegou o celular.
- Bom dia, Marcos! Está tudo bem? – Disse a voz de Catharina pelo auto-falante do aparelho.
- Tudo perfeito, Cat! – Disse ele escorando no portal da porta e com a voz embargada continuou. – Só queria te contar que eu vim aqui fora e vi nossos dois sóis, nesse lindo dia, ardentes, aproveitando, curtindo suas vidas... Ahhh! – Suspirou – Não tem explicação! Totalmente sem explicação! – Após alguns segundos o silêncio foi quebrado por um suspiro de Catharina e ele continuou. – Sei que já tem seis anos que estamos separados, mas está livre para um café?
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